Diversidade Sexual: Entre o Reconhecimento e o Desejo – Um Mergulho Profundo nas Novas Configurações Afetivas

O campo da sexualidade humana é um território de infinitas complexidades, um palco onde o desejo, a identidade e as normas sociais travam um diálogo constante e, por vezes, conflituoso. A aula “Diversidade Sexual, dentro do curso Psicanálise e Sexualidade”, serve como um portal para essa discussão, convidando-nos a suspender julgamentos e a mergulhar nas expressões legítimas da subjetividade. Este artigo aprofunda essa jornada, partindo das provocações da aula para construir o que almeja ser o recurso mais completo sobre o tema.

1. O Grito da Carne: A Sexualidade nas Tensões do Corpo

A reflexão se inicia com uma imagem poderosa: o “Estudo segundo o Retrato do Papa Inocêncio X de Velázquez” (1953), de Francis Bacon. Longe de ser uma mera releitura, a obra de Bacon é uma evisceração. Onde Velázquez pintou o poder e a autoridade, Bacon revela a angústia, a carne, a pulsão. A figura papal, distorcida em um grito silencioso, aprisionada em linhas que sugerem uma jaula, torna-se a metáfora perfeita para a sexualidade contida, a força vital que, ao ser reprimida, se manifesta em tensão e sofrimento físico.

“A sexualidade aparece nas tensões do corpo. Pulsão, carne, dor. Introduz o desejo como sofrimento físico.”

Bacon nos obriga a confrontar a ideia de que o desejo não é apenas um afeto etéreo, mas uma força visceral que habita o corpo. Essa perspectiva é fundamental para entender a diversidade sexual: não se trata de uma “escolha” de estilo de vida, mas de uma manifestação intrínseca do ser, que busca expressão.

2. A Desconstrução da Norma: Monogamia como Pacto Simbólico, Não Biológico

Um dos pilares centrais da discussão é o questionamento da monogamia como estado “natural” das relações humanas. A aula é categórica ao afirmar que o modelo monogâmico, longe de ser uma verdade biológica, é uma construção histórico-cultural, um pacto simbólico forjado por interesses religiosos, econômicos e, sobretudo, patriarcais.

  • Pacto Histórico-Cultural: A monogamia se consolidou como norma social para garantir a linhagem e a transmissão de herança, estabelecendo um controle sobre o corpo feminino e a prole.
  • Não é Universal: Culturas ao redor do mundo, ao longo da história, praticaram e ainda praticam múltiplas formas de organização afetiva, como a poliginia, a poliandria e as uniões coletivas.
  • O Preço da Escolha: Como pontuado na aula, toda escolha implica uma renúncia. O pacto monogâmico, ao prometer segurança e exclusividade, muitas vezes esconde “os impasses do desejo, da falta e da idealização”. A pressão para que um único indivíduo supra todas as nossas necessidades afetivas, intelectuais e sexuais pode gerar uma sobrecarga insustentável.

Colocar a monogamia em perspectiva não significa invalidá-la como escolha, mas sim reconhecê-la como uma escolha entre muitas, e não como a única forma legítima de lealdade e compromisso.

3. Horizontes Expansivos: Poliamor e as Relações Abertas

Ao desconstruir a hegemonia da monogamia, abrimos espaço para explorar outras configurações.

O Poliamor: Desafiando a Lógica da Escassez Afetiva

O poliamor é a prática ou o desejo de ter múltiplos relacionamentos íntimos (emocionais e/ou sexuais) simultaneamente, com o conhecimento e consentimento de todas as pessoas envolvidas. Ele se opõe diretamente à lógica da escassez afetiva, a ideia de que o amor é um recurso finito que se esgota ao ser dividido.

“Como nos lembra Bell Hooks em ‘Tudo sobre o amor’, o amor não se esgota ao ser dividido, ele se renova a cada entrega.”

Contrariando a visão de que seria uma busca superficial por variedade, o poliamor, em sua forma ética, exige um nível extraordinário de:

  • Comunicação Radical: Diálogo constante sobre sentimentos, limites e expectativas.
  • Responsabilidade Emocional: Assumir a responsabilidade pelos próprios sentimentos e pelo impacto de suas ações nos outros.
  • Gestão de Expectativas: Abandonar a performance narcisista de “maturidade” e reconhecer que sentimentos complexos como o ciúme irão surgir.

Relações Abertas: Flexibilidade e Acordos

Diferente do poliamor, onde múltiplos vínculos afetivos profundos podem coexistir, uma relação aberta tipicamente se refere a um casal que mantém um vínculo principal, mas autoriza encontros sexuais externos. A chave aqui são as regras e os limites mútuos, que podem variar imensamente:

  • Frequência: Quantas vezes? Com que tipo de pessoa?
  • Práticas Permitidas: O que é aceitável e o que não é?
  • Grau de Sigilo: Deve-se contar tudo ao parceiro principal (Don’t Ask, Don’t Tell) ou a transparência é total?

A obra “Opening Up”, de Tristan Taormino, é um guia prático fundamental que explora esses acordos, enquanto filmes como “Closer – Perto Demais” e a série “Easy” ilustram os desafios e as complexidades de navegar a transparência, a honestidade e a empatia nesses arranjos.

4. O Léxico Emocional da Pluralidade: Ciúme e Compersão

Um dos maiores tabus em torno da não-monogamia é o ciúme. A perspectiva apresentada na aula é transformadora: o ciúme não desaparece, ele muda de lugar e de função. Deixa de ser um tabu que paralisa e se torna um afeto legítimo a ser negociado, um sinal de que um limite foi tocado ou uma insegurança foi ativada.

É nesse contexto que surge o conceito de compersão:

Compersão (Compersion): Frequentemente definido como o oposto do ciúme, é o sentimento de alegria que uma pessoa experimenta ao ver seu parceiro sentindo prazer e felicidade em outro relacionamento. É a alegria pela alegria do outro, um “antídoto simbólico à lógica da posse”.

Alcançar a compersão não é um estado permanente ou uma obrigação. É uma possibilidade, um contrapeso ao medo da perda que exige um trabalho interno profundo para desvincular amor de posse. A clínica psicanalítica se torna um espaço crucial para elaborar essas emoções, onde o “supereu digital, que manda gozar sem demonstrar posse, gera culpas silenciosas e sintomas recalcados”.

5. A Expressão na Cultura: O Desejo Plural em Anaïs Nin

A literatura e a arte oferecem espelhos para essas experiências. Os diários de Anaïs Nin, especialmente o período que narra seu entrelaçamento amoroso com o escritor Henry Miller e sua esposa June, são um estudo de caso fascinante. Já na década de 1930, Nin vivia e escrevia sobre a fluidez do desejo, transitando entre o amor por Henry e o encanto por June.

“A obra de Anaïs Nin nos mostra que a pluralidade das relações precisa de um lugar onde a palavra circule, seja a escrita íntima, a escuta analítica ou seja o diálogo radical.”

Seus escritos revelam tanto a compersão quanto a ferida narcísica do ciúme, mostrando que reinventar o amor não exige um manual, mas sim “coragem de escrever, coragem de falar sobre o que pulsa entre o que falta e o que se quer”.

Conclusão: Para Além do Julgamento – Uma Postura de Inclusão e Respeito

A jornada pela diversidade sexual nos leva a uma conclusão inevitável: a realidade afetiva humana é plural, multifacetada e irredutível a categorias fixas. Para profissionais da saúde mental, educadores, pais e indivíduos, a tarefa não é julgar, mas compreender.

A aula nos convida a nos distanciarmos criticamente do nosso próprio “arcabouço de crenças e valores” para observar o lugar que a diversidade ocupa em nossa visão de mundo. Isso não significa abandonar os próprios valores, mas sim reconhecer sua particularidade.

“Viva os seus valores, seus próprios compromissos, seus propósitos intensamente. […] Não queira viver os valores que não são seus.”

O objetivo final não é a unanimidade, que como a aula sugere, “pode ser uma bobagem”. O objetivo é o desenvolvimento da capacidade de respeitar a diversidade, de praticar uma escuta que não aprisiona o outro, e de trabalhar sempre em uma perspectiva de inclusão. Ao abrir a mente e os horizontes, aprendemos a conviver com as múltiplas e legítimas expressões do direito de ser e de desejar.

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