O Eu em Estilhaços: Uma Leitura Psicanalítica do Medo do Colapso


A Arqueologia do Colapso: O Medo de um Trauma Já Vivido

O medo do colapso, de sentir o próprio eu se desfazer, é talvez a angústia mais visceral da contemporaneidade. Em tempos de incerteza, onde valores e crenças se fragmentam, a sensação de uma ruína psíquica iminente nos assombra. A psicanálise, no entanto, nos oferece uma perspectiva radical e transformadora: e se esse medo não for uma premonição do futuro, mas o eco de um passado que nunca pôde ser verdadeiramente vivido?

A máxima latina “Timendi causa est nescire” (A ignorância é a causa do medo) serve de guia. O pavor floresce no desconhecimento. Aprofundando a pesquisa na obra do psicanalista D.W. Winnicott, entendemos que o medo do colapso é, precisamente, o medo de um trauma que já aconteceu em um momento precoce do desenvolvimento, mas que o ego imaturo não teve condições de processar. Winnicott chama essa experiência de “agonia primitiva”: uma falha ambiental grave no início da vida (desamparo, ausência) foi sentida como uma ameaça de aniquilação. Incapaz de simbolizar esse horror, o bebê encapsulou a agonia e construiu uma vida inteira de defesas ao redor dela. O medo do colapso, portanto, é o terror de que essas defesas se rompam e que sejamos forçados a, finalmente, experienciar a queda que ficou congelada no tempo.

É aqui que a análise de pensadores como Maria Rita Kehl se torna crucial. Ela nos mostra como o cenário contemporâneo — com sua violência urbana, polarização e a dissolução de laços — funciona como um gatilho constante que erode essas defesas psíquicas. A crise externa reverbera na crise interna, reativando o desamparo ancestral. Clinicamente, isso se manifesta como uma ansiedade que paralisa, em somatizações que gritam o que a mente cala, e em angústias de separação que reabrem a “fenda narcísica” original, a ferida da nossa incompletude primordial.

Diante disso, a psicanálise se posiciona não como uma promessa de evitar a queda, mas como uma rede de segurança. O trabalho analítico, amparado na máxima “Audentes fortuna iuvat” (A sorte ajuda os ousados), é um ato de coragem. A ousadia reside em se aventurar a nomear o medo, a escutar a história por trás da angústia. O objetivo da análise não é impedir o colapso, mas criar um espaço de continência onde a agonia que já aconteceu possa, finalmente, ser vivida, simbolizada e integrada. É um convite para reconstruir os alicerces da identidade, não sobre a ilusão da invulnerabilidade, mas sobre o reconhecimento da própria história, transformando o medo em uma potência de reinvenção.

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