Psicanálise e Depressão: Fundamentos e Teorias – Desvendando o Sofrimento Entrelaçado

Introdução: A Depressão como Portal e Provocação

Sejam bem-vindos ao primeiro capítulo do curso “Psicanálise e Depressão: Fundamentos e Teorias”. Após uma introdução geral no vídeo anterior, nosso trabalho de hoje se concentra em uma profunda sensibilização à temática, buscando provocar questionamentos e aprofundar a compreensão da realidade multifacetada da depressão no contexto da psicanálise. Não se trata apenas de absorver conceitos, mas de permitir que a própria problemática nos desafie e nos faça “dar conta” da sua dimensão.

A aula se abre com a icônica pintura “Noite Estrelada” de Vincent van Gogh (1889), um símbolo visual do sofrimento entrelaçado. A agitação psíquica do pintor, então internado no asilo de Saint-Paul-de-Mausole em Saint-Rémy, se manifesta nas espirais celestes e na turbulência das cores, contrastando com a aparente tranquilidade da vila. É um retrato visceral do sublime e, ao mesmo tempo, da angústia e da dor intensa. Van Gogh, como muitas celebridades na música e na arte, é um exemplo de como autobiografias frequentemente revelam a dor não apenas como um fardo, mas como um portal de potência, de poder e de renascimento, à semelhança da Fênix que ressurge das cinzas.

A depressão, nesse sentido, é mais do que um diagnóstico clínico; é uma linguagem do inconsciente, um “silêncio que fala”. A dor que se manifesta, por vezes, é aquela que “pode ser ouvida e simbolizada na clínica”. Essa dor frequentemente advém de “momentos silenciados, afetos não dados ou não recebidos, olhares dados e não recebidos”, uma miríade de frustrações coletadas ao longo da existência, tudo isso represado no psiquismo. A depressão emerge como uma busca, ainda que dolorosa, por uma “saída” para esse represamento, um grito mudo que exige escuta.

Em um contexto mais amplo, a aula nos convoca a refletir sobre como o sofrimento de um familiar próximo ou do nosso entorno pode nos levar a “adoecer juntos”, como em experiências pessoais de esquizofrenia que “era terrível”. Além disso, somos instigados a considerar os impactos violentos da contemporaneidade que geram depressão: o turbilhão das redes sociais, os isolamentos impostos por pandemias, os colapsos ecológicos, as guerras e a escassez de recursos como alimento e água. Tudo isso cria caminhos para a depressão, moldando suas manifestações atuais.


II. Fundamentos Teóricos da Depressão na Psicanálise: Uma Iniciação Profunda

A afetividade, quando profundamente afetada pela depressão, “cria raízes” devido a uma perda simbólica que não foi ressignificada ou canalizada, em decorrência de conflitos inconscientes. O inconsciente, com seus mecanismos de defesa, pode tanto gerar bem-estar quanto a própria repressão do sofrimento.

2.1. As Pulsões e a Dor Enraizada

Na psicanálise, as pulsões são compreendidas como energias, estímulos, movimentos e forças motrizes da psique. Quando essas pulsões – essa energia vital – não encontram canais adequados de expressão e simbolização, ou quando são “abafadas” e impedidas de se representar no consciente, elas conduzem à depressão. É nesse contexto que a dor se torna “enraizada”, cristalizada na história emocional do sujeito.

A psicanálise faz uma distinção crucial entre:

  • Tristeza: Uma emoção humana básica, uma resposta natural a eventos negativos ou perdas. É temporária e, geralmente, elaborada.
  • Melancolia: Um estado mais profundo e patológico, conforme Freud, com características específicas de autodepreciação e culpa.
  • Angústia: Uma sensação de mal-estar difusa, um temor sem objeto definido, diferente da tristeza e da melancolia, mas frequentemente presente nos quadros depressivos.

Esses estados se encontram na experiência de uma “culpa que é muda”, uma “culpa que é silenciada”, de um “luto que muitas vezes não é verbalizado, não é dito”. A ausência de nomeação e de verbalização impede a elaboração psíquica.

2.2. A Dor, a História Íntima e o Dilema Existencial

A compreensão da dor é central na clínica psicanalítica. Essa dor precisa ser nomeada, para que o sujeito possa se dar conta dela. Isso implica em um acesso à história íntima do paciente e, muitas vezes, à própria história do analista. A intimidade carrega essas histórias, incluindo aquelas que residem no inconsciente, onde reside o sentido mais profundo da dor.

A depressão é frequentemente um palco para o dilema existencial: um “desejo intenso de viver” que se choca com uma “culpa que provoca uma auto-sabotagem”, uma culpa silenciosa. Esse é o cerne do “dilema da teoria freudiana”: o diálogo constante entre Eros (vida) e Thanatos (morte). Há sinais de vida e sinais de morte que se entrecruzam no psiquismo, alimentando ora a “ânsia de viver”, ora a “culpa de existir”. A vida e a morte, as pulsões de vida e de morte, coexistem e se manifestam no sujeito.

2.3. Fundamentos Teóricos: Uma Perspectiva Inovadora

A aula reforça que a interpretação da realidade humana (antropológica, psicanalítica, sociológica, filosófica, teológica) e das relações interpessoais sempre ocorre sob uma perspectiva desafiadora, gerando múltiplas teorias. A psicanálise, especialmente na ótica freudiana, oferece uma lente única para essa interpretação. A proposta do curso é agregar diferenças e oferecer uma posição sobre a melancolia que não apenas revisita o conceito freudiano, mas também inova, buscando facilitar a aprendizagem.


III. O Sofrimento Entrelaçado: Reflexões a Partir de Van Gogh e da Experiência Humana

A “Noite Estrelada” de Van Gogh (1889) serve como um poderoso ponto de partida visual para o curso. Pintada enquanto o artista estava internado em um asilo, a obra é um símbolo de seu conflito interior. Ele utilizou a natureza como uma metáfora de sua “mente em turbulência”. As espirais celestes e o céu agitado revelam sua agitação psíquica, contrastando com a tranquilidade da vila. É um “retrato do sublime e ao mesmo tempo do sofrimento entrelaçado”, um momento de angústia intensa, desesperança e, para alguns, até um toque de loucura.

3.1. A Dor como Portal de Potência

A análise de Van Gogh e de outras figuras célebres (pintores, músicos) que enfrentaram a dor profunda revela um padrão: a dor não raro se torna um “portal de potência, de poder”. Muitos conseguem “renascer à semelhança de Fênix das cinzas”, dando uma “volta por cima”. Isso sugere que, embora a dor seja avassaladora, sua elaboração pode abrir caminhos para a criatividade e a resiliência.

3.2. Adoecer em Comunidade: O Contágio do Sofrimento

Uma ideia central é a de que, ao experimentar alguém doente na família ou no entorno, “nós fazemos a experiência de adoecer juntos”. A experiência da esquizofrenia de um familiar é citada como um exemplo de como “a família adoece junta”, sentindo os impactos do sofrimento do outro.

3.3. Impactos Contemporâneos da Depressão

A aula destaca fatores modernos que geram ou intensificam a depressão:

  • Redes Sociais: O impacto violento das redes sociais, a busca por validação, a comparação constante e a pressão por uma vida “perfeita” podem levar a sentimentos de inadequação e isolamento.
  • Isolamentos: As pandemias (como a de COVID-19) e o consequente isolamento social forçado tiveram um “grande impacto” na saúde mental, aumentando os quadros depressivos.
  • Colapsos Ambientais e Conflitos Globais: As crises climáticas, as guerras, a falta de alimento e água em diversas regiões do mundo geram um “impacto” generalizado e contribuem para a instabilidade psíquica, criando “caminhos para a depressão”.

Essa perspectiva ampla ressalta o compromisso ético com a vida e com a compreensão da depressão em seu contexto social e existencial.


IV. A Afetividade Enraizada e os Conflitos Inconscientes: O Cerne da Questão

A “afetividade afetada, vitimizada, apequenada, sofredora, silenciada”, quando enraizada, “cria raízes” porque ocorreu uma perda simbólica que não foi ressignificada, canalizada. Isso é uma decorrência direta dos conflitos do inconsciente. O inconsciente, com seus mecanismos de defesa, pode gerar tanto formas saudáveis de lidar com a realidade quanto a própria repressão do sofrimento, levando à cristalização da dor.

4.1. Depressão como Estado Afetivo Enraizado

O Leitmotiv da aula é que a depressão é um estado afetivo enraizado, cristalizado, a partir de experiências subjetivas pessoais. É uma condição carregada por perdas simbólicas e conflitos inconscientes, que impactam profundamente as relações do sujeito com os outros, com seu desejo, com a experiência de falta e ausência, e com sua própria existência.

4.2. A Dor Cristalizada e a Restauração do Eu

A depressão, herdeira da antiga melancolia, é vista como a expressão de conflitos profundos entre pulsões (energias, vontade de viver) e perdas não simbolizadas. Quando a energia e a força são investidas em algo (pessoa, projeto) e aquilo “evapora”, gera um colapso e uma frustração profunda.

A depressão não é apenas um rótulo diagnóstico, mas uma “dor que é cristalizada, que cria raízes na nossa história emocional”. A psicanálise postula que, enquanto essa “dor enraizada” não for retirada e elaborada, o sujeito não alcança uma “vida serena, uma vida de plenitude”.

O cuidado psicanalítico tem a pretensão de restaurar os laços afetivos que estão rompidos, reconstruindo o eu e o ideal do eu. Isso se dá por meio da escuta terapêutica, que visa acolher o “modo poético”, o “tempo da alma que está empatado, que está silenciado, que está bloqueada”.

4.3. Sofrimento como Linguagem, Não Castigo

A aula desmistifica a ideia de que “sofrimento é castigo” ou “pagamento de nada”. Pelo contrário, o sofrimento é uma linguagem, um sintoma que se comunica conosco. Ele abre a possibilidade da escuta psicanalítica, pois “todo sintoma fala em nome de um vínculo que foi rompido ou de um desejo que não foi alcançado, abafado.” O objetivo é decifrar esse impasse, descobrir seu sentido e se libertar da “prisão daquilo que não é dito”, que nos leva a “adoecer isoladamente, silenciado”. Sustentar esse mergulho no inconsciente é a tarefa da escuta psicanalítica, que garante a simbolização da dor e, consequentemente, diminui a fragmentação do eu, do ego, do self.

4.4. A Dor e a História Íntima Inconsciente

A depressão carrega “memórias arcaicas da melancolia” e ecoa como uma pergunta sobre o sentido da dor. Além dos exames e diagnósticos, existe uma história íntima que clama por escuta e simbolização. Essa “história íntima inconsciente” é o que realmente nos movimenta. Reduzir o sofrimento a uma “química cerebral” é esquecer que “toda dor tem enredo afetivo e fantasias recalcadas”. Não é simplesmente uma questão física, mas da psique.

4.5. O Dilema Eros-Thanatos em Ação

A aula reafirma a importância dos conceitos de Eros (vida) e Thanatos (morte). A experiência humana é um contínuo entre “sinais de vida” (alegria, plenitude) e “sinais de morte” (tristeza, desespero). Muitos se alimentam dos sinais de vida, mas em “alguns momentos da vida, nos alimentamos dos sinais de morte”, o que representa um perigo iminente e uma armadilha para o psiquismo.


V. Tipologias da Depressão e Recursos Culturais: Expandindo a Compreensão

O curso inova ao propor, a cada capítulo, o aprofundamento de uma tipologia específica de depressão, utilizando recursos culturais para facilitar a compreensão.

5.1. Depressão Maior (Transtorno Depressivo Maior)

Apresentada como a primeira tipologia, caracteriza-se por:

  • Tristeza Intensa: Sentimento avassalador de tristeza.
  • Perda de Prazer (Anedonia): Desejo de isolamento (quarto escuro, distância de todos), ausência de alimentação, perda de interesse.
  • Sintomas Acompanhantes: Insônia, culpa excessiva, pensamentos de morte ou ideação suicida.
  • Respostas ao Tratamento: Responde bem à psicoterapia e, em muitos casos, à medicação, dependendo do estágio.

5.2. Recursos de Produção Cultural para a Compreensão

Para auxiliar na compreensão da Depressão Maior, são sugeridas obras de arte:

  • Filme: “Melancolia” (Lars von Trier, 2011): A iminente destruição por um planeta chamado Melancolia funciona como uma metáfora radical do esvaziamento interno da protagonista. O filme “visualiza a imobilidade e o sentimento de futilidade típicos do transtorno depressivo maior”.
  • Literatura: “O Lobo da Estepe” (Hermann Hesse, 1927): O narrador oscila entre auto-desprezo e isolamento social, oferecendo uma “descrição vívida de anedonia e ideação suicida”.
  • Música: Sinfonia No. 6, “Trágica” (Gustav Mahler): O tom sombrio, as “marteladas finais” e a “falta de redenção” espelham a sensação de um “destino fechado”, vivida em episódios depressivos profundos.

Esses recursos oferecem múltiplos pontos de acesso para compreender a “impressão violenta” da depressão.


VI. Trilhas de Aprendizagem e a Cartografia do Sintoma: Uma Jornada de Autodescoberta

A aula propõe uma “trilha de trilhas” ou “cartografia do sintoma”, que consiste em atividades meta-cognitivas e práticas para o aluno.

6.1. Questão Metacognitiva: “Quais critérios eu uso para separar a dor legítima de transtorno?”

Esta é uma pergunta central que desafia o aluno a diferenciar a dor inerente à existência (um luto normal, por exemplo) de um transtorno psíquico.

  • Justificativa: A dor física é fácil de identificar, mas a dor psíquica tem “outra dimensão”. A psicanálise nos ajuda a buscar critérios para separar a “dor íntima do verdadeira, do real, do transtorno que eu estou a vivenciar”.

6.2. Atividade “Cartografia do Sintoma”:

  • Objetivo: Compreender a diferença entre tristeza, luto e depressão (estrutura clínica).
  • Ações Sugeridas:
    • Leitura de “Luto e Melancolia” de Freud (ou uma introdução ao texto).
    • Leitura do capítulo sobre melancolia na obra de Joel Birman.
    • Elaborar um quadro comparativo entre o luto normal e a melancolia freudiana.

6.3. A Depressão como Convite à Progressividade:

A aula afirma que a depressão é um “convite” para o aluno “se dar conta da sua progressividade, da sua aprendizagem” no campo da psicanálise. A “dor legítima” versus o “transtorno” é um desafio contínuo de discernimento.

6.4. Inspiração: Maratona da Esperança (Terry Fox)

A história de Terry Fox (Canadá, 1980) é apresentada como uma experiência de superação emblemática:

  • Após a amputação da perna direita e um quadro depressivo que “eliminou o senso de futuro”, ele decidiu correr uma maratona por dia com uma prótese.
  • Treinou por 15 meses, “atacando a dor fantasma com disciplina de atleta”, correndo 8 km diários, “neve ou sol”.
  • Em 143 dias, correu a distância de uma maratona por dia, arrecadando 24 milhões de dólares para pesquisa oncológica.
  • Símbolo nacional, sua história “mostrou que o corpo pode ir para além do luto”.
  • Moral: É uma ilustração histórica de que a força da mente e do propósito pode transcender o sofrimento mais profundo e as limitações físicas, transformando a dor em potência.

VII. Conclusão: A Continuidade da Jornada na Psicanálise e Depressão

Este primeiro capítulo do curso é um convite para entender, cada vez mais, o lugar da tristeza, da melancolia e da angústia no psiquismo humano. Aprofundamos o conceito freudiano de melancolia, que se desdobra em nossa contemporaneidade como depressão.

Somos todos “sensíveis e candidatos” à depressão, dependendo da qualidade de vida, das circunstâncias e das “variáveis da sobrevivência” que muitas vezes não dependem de nós. Contudo, aquelas variáveis que dependem de nós, “nós devemos administrar”.

A aula encerra com a expectativa do próximo encontro, onde os fundamentos e as provocações iniciados serão aprofundados. A jornada no estudo da psicanálise e depressão é uma busca contínua por compreensão e ferramentas para acolher e transformar o sofrimento humano.

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