Psicanálise e Prosperidade: Uma Expedição Crítica ao Coração do Mal-Estar Contemporâneo

Resumo

Este artigo serve como um manifesto e um guia para a jornada intelectual e afetiva proposta pelo curso “Psicanálise e Prosperidade e o Mercado das Emoções”. Partindo da máxima latina “Faber est suae quisque fortunae”, propomos uma releitura psicanalítica que questiona a noção neoliberal de sucesso. Longe de ser um manual de autoajuda, este percurso é uma análise crítica de como o discurso da prosperidade, da performance e do crescimento ilimitado captura nosso desejo e produz novas formas de sofrimento. O texto detalha a estrutura pedagógica do curso, baseada na metodologia “BIA” (Busca, Imersão, Aplicação), e explora os cinco módulos centrais: a formação do sujeito neoliberal; a tirania da performance; o corpo como capital e o circuito do gozo; as patologias da abundância; e, por fim, as possibilidades de uma clínica da libertação. Argumentamos que, ao decifrar as forças ocultas que moldam nossa relação com o sucesso e a felicidade, a psicanálise nos oferece ferramentas não para nos adaptarmos melhor ao mercado, mas para abrirmos caminhos em direção a uma existência mais autêntica e questionadora.

Palavras-chave: Psicanálise, Prosperidade, Neoliberalismo, Desejo, Performance, Gozo, Mal-Estar Contemporâneo, Crítica Cultural.

Introdução: Faber est suae quisque fortunae

“Cada homem é o artesão de sua própria fortuna.” Esta antiga e poderosa máxima romana ressoa com particular força no século XXI, ecoada em incontáveis livros de autoajuda, palestras motivacionais e posts em redes sociais. Ela se tornou o mantra de uma era que celebra o “empreendedor de si”, o indivíduo autossuficiente capaz de forjar seu próprio sucesso a partir do nada. Mas o que acontece quando o artesão se sente exausto? Quando as ferramentas parecem pesadas demais e o projeto de felicidade parece cada vez mais distante, apesar de todos os esforços? O que ocorre quando a fortuna, uma vez alcançada, revela um inesperado vazio?

Sejam bem-vindos ao curso “Psicanálise e Prosperidade e o Mercado das Emoções”. Este não é um percurso que oferecerá respostas fáceis ou fórmulas para o sucesso. Pelo contrário, como a própria psicanálise ensina, é uma expedição que se inicia com questionamentos. Em um mundo que nos vende a prosperidade como um produto e nos cobra a felicidade como uma performance, esta jornada é um convite a uma travessia intelectual e afetiva ao coração do nosso mal-estar. O objetivo não é ensinar a construir a fortuna que o mercado dita, mas sim decifrar as forças ocultas que moldam nosso desejo de fortuna, para que, a partir dessa compreensão, possamos nos tornar, de fato, artesãos conscientes de nossas próprias vidas, e não meros operários de um projeto que não escolhemos.

1. A Arquitetura da Jornada: Uma Pedagogia para a Imersão

A profundidade do tema exige uma estrutura pedagógica robusta e flexível, pensada para acolher a diversidade de um público que vai de psicólogos a economistas, de artistas a gestores. A base de nossa exploração é um abrangente livro digital, um texto de trabalho que funcionará como nosso “Vade Mecum” (Vai Comigo), uma verdadeira biblioteca de referências que nos acompanhará em cada etapa.

A metodologia, apelidada de “BIA”, possui um duplo sentido que revela a alma do curso. Por um lado, representa um processo em três tempos:

  1. Busca (Básico): Através de vídeo-aulas expositivas e diálogos com a cultura, introduzimos os conceitos fundamentais, tirando-os do jargão acadêmico e tornando-os acessíveis.
  2. Imersão (Intermediário): Aprofundamos os conceitos com provocações para uma reflexão crítica, desafiando o senso comum e as verdades estabelecidas.
  3. Aplicação (Avançado): Por meio de estudos de caso, exercícios de autoanálise e diálogos com a cultura contemporânea, aplicamos as ferramentas psicanalíticas à nossa própria vida e ao mundo que nos cerca.

Por outro lado, “BIA” também reconhece os diferentes níveis de familiaridade com o tema, oferecendo narrativas nos níveis Básico, Intermediário e Avançado, garantindo que tanto o neófito quanto o especialista encontrem um caminho de aprendizado significativo. Cada capítulo, por sua vez, segue uma estrutura rítmica, partindo de uma abertura poética, passando pelo núcleo conceitual com um teórico de referência, dialogando com produções culturais (cinema, literatura, artes plásticas) para facilitar a compreensão, e culminando em estudos de caso e exercícios práticos.

A jornada é complementada por materiais de apoio essenciais, como guias sobre “Aprender a Aprender” — que reconhecem e validam os múltiplos estilos de aprendizagem (visual, auditivo, lógico, etc.) — e um lembrete sobre a importância do Código de Ética de cada profissão, fundamentando nossa investigação em uma base de responsabilidade. Por fim, um caderno de “Questões Básicas” acompanhará cada capítulo, convidando à autoavaliação e à elaboração pessoal, com um alerta crucial contra o “suicídio pedagógico”: a ânsia de buscar a resposta antes de se permitir habitar a pergunta.

2. O Itinerário da Expedição: Uma Viagem pelos Cinco Módulos

Nossa expedição se desdobrará em cinco grandes territórios temáticos, cada um desvelando uma camada do complexo fenômeno da prosperidade.

  • Módulo 1: O Discurso da Prosperidade e a Formação do Sujeito Neoliberal Este é o nosso ponto de partida. Aqui, faremos uma genealogia do mal-estar, investigando como o ideal de prosperidade se transformou na ideologia dominante de nosso tempo. Analisaremos como o discurso neoliberal — com seus valores de competição, eficiência e auto-otimização — deixou de ser apenas um modelo econômico para se tornar uma forma de vida, produzindo um novo tipo de sujeito: o “empreendedor de si”. Este sujeito se vê como uma empresa, seu corpo como um capital, suas relações como networking e sua vida como um projeto a ser gerenciado. Investigaremos como essa lógica captura nosso desejo desde o início, definindo os termos do que significa ser bem-sucedido.
  • Módulo 2: A Tirania da Performance e a Ideologia da Escolha Uma vez constituído o sujeito neoliberal, ele é lançado em uma arena de performance constante. Este módulo disseca a “tirania da performance”: a obrigação incessante de demonstrar produtividade, felicidade e sucesso em todas as áreas da vida. Exploraremos como a “ideologia da escolha”, que nos diz que somos livres para escolher nosso caminho, funciona paradoxalmente como um mecanismo de controle, gerando culpa e ansiedade. Se o sucesso é uma escolha, o fracasso se torna uma falha moral individual, ocultando as forças sistêmicas que condicionam nossas vidas.
  • Módulo 3: O Corpo como Capital e o Circuito do Gozo Aqui, mergulhamos nas consequências psíquicas mais profundas dessa lógica. O corpo deixa de ser um lugar de experiência para se tornar um recurso a ser otimizado, um capital a ser investido para maximizar o rendimento. Introduziremos o conceito psicanalítico de gozo (jouissance), crucial para entender a compulsão contemporânea. Diferente do prazer, que encontra satisfação e limite, o gozo é um “para-além-do-prazer”, uma satisfação paradoxal, muitas vezes dolorosa, encontrada no próprio excesso. O workaholic que se destrói trabalhando, o atleta que se lesiona em busca de um recorde, o usuário de rede social que busca validação até a exaustão — todos estão presos no circuito do gozo, uma busca sem fim que a cultura da performance alimenta.
  • Módulo 4: Sintomas do Século XXI: As Patologias da Abundância Este módulo enfrenta um dos grandes paradoxos de nosso tempo: como uma sociedade de aparente abundância e possibilidades ilimitadas produz tanto sofrimento psíquico? Analisaremos o burnout, a depressão e a ansiedade não como sinais de falta, mas como patologias do excesso: excesso de performance, excesso de escolha, excesso de positividade. São os sintomas que emergem quando o sujeito é esmagado pela obrigação de ser feliz, produtivo e próspero o tempo todo, sem espaço para a falha, a negatividade ou o descanso.
  • Módulo 5: Crítica, Clínica e Libertação: Para Além da Prosperidade Nossa jornada não termina no diagnóstico; ela busca a possibilidade da emancipação. Este último módulo explora as saídas. O que significa ir “para além da prosperidade”? A psicanálise nos oferece uma clínica que não visa adaptar o sujeito à máquina, mas sim ajudá-lo a escutar seu desejo singular, aquele que escapa à lógica do mercado. Discutiremos o papel da crítica cultural, da autoanálise e da criação de novas formas de vida e de laço social que valorizem o “inútil”, o improdutivo, o tempo do ócio e a autenticidade, em oposição à performance. É a busca por uma nova definição de “fortuna”, que não se mede em cifras, mas em sentido.

3. O Chamado à Aventura: Quem é Convidado e Por Quê

A abrangência do público-alvo deste curso revela a onipresença do tema. Psicólogos e psicanalistas são convidados a afiar sua escuta para as novas formas de mal-estar. Profissionais de RH e gestores, a compreender as raízes do esgotamento em suas equipes. Publicitários e profissionais de marketing, a refletir sobre o desejo que manipulam. Educadores, a preparar as novas gerações para um mundo que lhes cobrará a performance. Economistas e administradores, a enxergar o custo humano por trás das planilhas. Jornalistas e sociólogos, a obter ferramentas para a crítica do nosso tempo. Profissionais da saúde, artistas, líderes comunitários — todos são bem-vindos. Este curso é para qualquer um que sinta, em si mesmo ou nos outros, o peso dessa cultura e a urgência de pensá-la criticamente.

Conclusão: Rumo a uma Artesania Consciente

Voltamos ao nosso ponto de partida: “Faber est suae quisque fortunae”. Ao final desta expedição, a máxima de Apio Cláudio não soará mais como o slogan de um individualismo meritocrático, mas como um desafio profundo. A psicanálise não nega nossa capacidade de sermos artesãos de nossas vidas, mas nos mostra que, na maior parte do tempo, operamos com ferramentas que não conhecemos (nossas pulsões), seguindo um projeto que não desenhamos (a ideologia) e usando um material cuja história desconhecemos (nossas heranças psíquicas).

O convite deste curso é, portanto, a uma artesania consciente. É um chamado para examinarmos nossas ferramentas, decifrarmos o projeto que nos foi imposto e compreendermos a matéria-prima de que somos feitos. Apenas a partir dessa compreensão crítica e aprofundada poderemos, talvez, começar a forjar uma fortuna que seja verdadeiramente nossa, uma prosperidade que se meça não pela validação do mercado, mas pela ressonância com nosso desejo mais autêntico. Sejam bem-vindos a esta oficina da alma.

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